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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

L'Abîme.

Albert Camus (07/11/1913 - 04/01/1960)


Querido amigo,

Terminei a leitura d’O Estrangeiro, livro que há tempos me recomendas. Pois sim, escrevo-te minhas impressões. Mas antes disso quero lembrar-te que sou perdida em sentimentos; então, provavelmente, mais de uma dessas impressões será também perdida em sentimentos errôneos. A verdade é que mal sei por que as escrevo. Talvez porque preciso soltar esses pensamentos desfigurados, que correm sem rumo em minha mente, após esta leitura tão claustrofóbica.

Pois sim, acho que posso começar por isso: claustrofobia. Que livro pragmático, não? Eu o senti sólido a todo o momento, de fato Camus conseguiu engolir-me por completa. Arrepio-me com tamanha secura, perdi-me em dor ao não sentí-la. Tu sabias o que me esperava, por que não avisaste? É a surpresa da relação humana em palavras simples... Pois achei claustrofóbico por retratar a verdade.

Retrata a verdade, não? A verdade de todo e qualquer homem. Esta vida sem graça que levamos, contada por um homem sem graça que somos. “Sem graça”, talvez. Entendes? Talvez o termo devesse vir entre aspas, pois talvez nada disso seja sem graça realmente. O que me desacolhe, porém, é que tudo está lá e o mundo é indiferente ao que deixa, finalmente, de estar. Então é, de certa forma, sem graça sem aspas. Agoniante.

É, também, o livro é agoniante. E quantas vezes eu mesma quis interferir da narrativa! A leitura prendeu-me, quem sabe, exatamente por isso. Mas obviamente eu não teria o que tirar ou o que colocar... Se me dessem espaço para mudar algo, eu encararia a obra, frustrada, e a entregaria intacta. Fiquei perdida entre a agonia de sentir o nada e não conseguir alterá-lo nem se pudesse. De qualquer forma, apaixonei-me...

Claro, livro apaixonante. Personagem envolvente. Queria eu ser Marie, por alguns muitos instantes; e até vi-me como ela ao sentir vários de meus “amantes” em Mersault. Talvez haja essa identificação porque eu gosto do desafio da indiferença. Vês? O que te falei sobre os sentimentos? Encara agora meu riso desgostoso, não gosto muito de ser Marie. De qualquer forma, um clássico, como tu mesmo disseste.

Uma observação sobre a loucura abismática do livro: não a encontrei na personagem principal, mas sim em todos os outros. Encarei-o como com a razão ao encontrar-se num mundo em que “Abismo e Liberdade são faces da mesma moeda” e acomodar-se com isso. Somos todos acomodados com esta realidade. Acho, inclusive, que se não fossemos estaríamos fodidos. A loucura abismática está em todos nós...

Concluo, portanto, dizendo que o livro arrepiou-me bastante. Maravilhoso. Uma confusão contínua, rápida, simples e envolvente. Não sou a melhor crítica, mas sei que meu sentimento para com O Estrangeiro é essa mistura de amor & ódio, proveniente d’auto-identificação.

Um beijo.


Mourir.

Tropical Toxic


Preciso de um bicho besta que estranhe as coisas comigo. Minto, não preciso... Apenas quero. Mas acho que acostumei que meu querer é precisar.

É, é... Um bicho besta assim, que nem você, não seria má ideia. Mas não se preocupe, não falo especificamente de você. Falo de qualquer bicho besta como você, mas não você.

Um bicho besta, meio pirado; que diz que quem ama, mata e morre. Eu mato e morro todo dia por um bicho besta como você. Mas não, não você. Você já é bicho besta de outro alguém que é tão besta quanto você, mas não é bobo como eu.

Gostei de escrever assim, em pequenas e simples palavras de morte matada e morrida. Mas morte bonita. Morte de quem pensa nesse bicho besta que fuma mais pra não que pra sim, e imagina que se fosse um tempo atrás, seria um bicho besta tão besta que eu gostaria para mim. Mas não é você que quero (preciso)... Só alguém como você.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Violeta Viscoso

Imagem por Lais Pinheiro


- Há quanto tempo ela está assim? – A voz invade o quarto e ecoa, mesmo que baixa. A resposta vem em um tom triste, quase inerte. – Dois anos, semana que vem completa três. – O vazio da sala era latente, as duas presenças conhecidas não incomodavam a garota de forma alguma. Havia a falta de brilho no olhar e a mente fechada em si. Os dois outros seres, que não se encontravam dentro da alma perdida da garota, recolheram-se para o outro cômodo, conversando sobre qualquer coisa desinteressante. Não havia o presente, somente o passado desgostoso de lembranças perdidas na boneca de porcelana.

“Quero um cigarro”. A mente trabalhava pura e leve, como se já tivesse tragado o cigarro que pedia em silêncio. Enchia-se de fogo e ardência dos anos que se foram e não voltam, os anos que seus desejos e pensamentos foram mais envelhecidos que ela própria. Encarava o espelho sem conclusões, sem jeito pra coisa. Mordia-se. Gritava-se muda. “Quero um cigarro”. E juntava-se no encarar daquela imagem clara, quieta, sóbria. Uma criança... Que deixara de ser criança há tempos. Fugira certa vez do estado triste que inventara para si... Lera três livros e voltara a ser essa desconhecida de si mesma.

O mundo é injusto com boas almas; e quem se perde na infância, perde-se para sempre. Ela concluiu sozinha aos quatorze. Juntara os trapos de horizontal para, enfim, tornar-se um subir eterno de quem nunca o fora. Loucura mesmo era despentear-se em meio a um vulcão imaginário, por isso segurava a escova a todo momento, mesmo que a criatividade não captasse tal inconsciência. – Quer um chá, meu amor? – Perguntara a mãe, que aparecera na porta novamente. O silêncio voltou a perpetuar-se no quarto e na mente. Pergunta ignorada, a mãe saiu, não achando que poderia ser diferente. Não era amor de ninguém, não queria ser.

O caminhar eterno de pés descalços em meio a fogo e pássaros carniceiros era ilusória, mas tão real... E, mesmo criança de dezessete, queria o cigarro de quem tem cinquenta. Jogava-se em pequenas brincadeiras cruéis consigo mesma, de quem mais fora o violeta viscoso. Apenas ela. O sorriso pôs-se cru, pensou que talvez não lembrasse de algum abuso que sofrera... Forçou a mente. Ainda não lembrava. Ela era assim por ser assim. Ninguém a fizera, ela se fez. Descaminhou-se novamente entre o fogo, voltou a encarar o espelho. Era toda violeta viscosa.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Um diálogo sobre o próximo texto.


- Eu cresci.
- Cresceu?
- Cresci.
- Foi bom?
- Sabe quando a fruta cai antes de amadurecer?
- Hm...
- Eu sou a fruta caída no chão, verde, triste. Sou a péssima notícia dada aos pais. Eu sou essa coisa grande, viscosa e violeta que é a inocência perdida.
- A inocência perdida é violeta?
- É.
- Você está aqui há quanto tempo?
- Dois anos mais ou menos. Perdi as contas no quinto mês, na verdade, mas sei que se passaram dois natais.
- Hm... Semana que vem é natal.
- Então, bem... Três anos quase.
- Quantos anos você tem?
- Não tenho idade. Mas quando entrei aqui eu tinha quatorze.
- Por que entrou?
- Porque sou violeta. Sou morta em meio a vivos olhos dourados de juventude. Sou presa em meio a campos deleitosos de liberdade descomunal.  Entrei porque não quis sair de mim.
- E quando você vai sair?
- Ninguém sai daqui.
- Só essa semana saíram três...
- Ninguém sai daqui. Podem sair do lugar, mas não saem do estado psicológico que é isso aqui. Eu vou sair, mas ainda serei o violeta viscoso no qual qualquer um penetra.
- Foi abusada?
- Por mim.
- Quantos anos tinha?
- Cresci sendo abusada por mim.
- Cresceu?
- Cresci.
- Foi bom?
- Sabe quando a fruta cai antes de amadurecer?
- Hm...
- Eu tenho esse passado constante que me persegue de vez em quando, a gente repetiu a conversa?
- Não.
- Eu acho que perdi a minha inocência quando nasci.
- Culpa do quê?
- Do mundo, querido, do mundo...
- Entendo. E ainda está perdida?
- Ainda tenho mais idade do que aparento.
- Isso é ruim?
- Quero ter dez anos de novo. Mas dez anos de verdade... Não corrompidos dez anos.
- E o que você quer ser?
- Quero sair do fogo... E não ser violeta.

sábado, 8 de dezembro de 2012

De seu amado.

São Paulo, 03 de janeiro de 2004

Querido,

Mais uma vez, São Paulo não parou. Terceiro dia do ano, e o centro está cheio. Sabe, eu acho que anda faltando amor por aqui, sinto falta de você. Ontem deitei com um, anteontem com outro e hoje tenho uma festa para ir e provavelmente deitarei com um diferente. Mas sinto sua falta, São Paulo não é a mesma sem você. Eu ainda vejo carros, vejo pessoas, vejo a fumaça saindo de cada canto... Mas não vejo você com todo o seu amor por mim e pela cidade.

Queria que você pudesse voltar. Desencanto, desando, desminto. Quero que você volte. Mas você não pode, né? É uma pena... Já se foram dois anos e você não pode voltar. Não sei porque ainda perco tempo escrevendo pra você, sentado aqui no centro. É... Você lembra daquela noite na Augusta? Foi quando a gente se conheceu. Lembra de como foram boas as conversas e as risadas? Eu lembro muito bem... Acho que fomos um pouco apressados. Dois meses depois estávamos morando juntos.

Sinto falta do seu cabelo ondulado, principalmente. Os cabelos negros e ondulados que vez em quando caíam nos seus olhos e você tinha que puxar para trás. Ah... E seus olhos. Olhos castanhos tão profundos que me arrepiam só de imaginar. A gente deitado no sofá, comendo pipoca e vendo seu filme favorito. I can never decide whether Paris is more beautiful by day or by night.E eu não consigo decidir se São Paulo sem você é mais vazia à noite ou de dia.

Teve uma noite que a gente brigou feio... Você disse que eu era um babaca completo. Um desgraçado sem coração. Um escroto. Foram as suas palavras. Eu poderia responder a altura, mas eu te amava tanto... Amo... Amo tanto que eu só consegui chorar e pedir desculpas, te abraçar. O erro nem foi meu. Naquela noite, São Paulo brilhou para nós. Foi um amor de desculpas tão vivo que eu quis brigar mais vezes com você. Brigamos muitas vezes... Eu sinto falta das brigas também. Menos da última... A última briga não teve o amor brilhante de São Paulo.

Queria nunca te perder, queria voltar dois anos atrás e te abraçar tão forte... Queria não ter brigado com você. Queria que você não tivesse descido para fumar. Queria não ter ouvido as risadas altas e o grito abafado. Queria não ter chegado para te ver caído, tão lindo e apavorado... Aqueles idiotas gritando que o veado vai pro inferno, correndo noite adentro. E eu chorando. Queria nunca ter chorado. Se ao menos eu pudesse voltar dois anos atrás e ao invés de gritar perguntando “quem é esse Fábio, ein? Quem é?” eu só te beijasse e deixasse pra lá...

A culpa foi minha, não foi? Me desculpa. Lembra daquela noite na Augusta? Foi quando a gente se conheceu... ad infinitum.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Que haja calma.

Fotografia por Isa Valença


E que o leve
De leve
Me leve
Me trague
Me quebre
De leve
Me pegue

E que o doce
Com doce
Me adoce
Me cospe
Me jogue
Com doce
Me toque

E que o sujo
Tão sujo
Me suja
Me passa
Me lava
Tão sujo
Me caça

E que o tudo
De tudo
Me entulha
Me busca
Me encruza
De tudo
E sossega

E que o leve
De leve
Me leve
Me trague
Me quebre
De novo
Me pegue

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Pulo do Gato

Fotografia por João Paulo e Paulo Ricardo (GemeosVB)


mia miado cantado de gato
molhado mesclado cheio de tato
fugido o rato cansado do chato
bastardo de faro é pulo em jato
achado em buraco de mio miado
pedrado cantado temido e cortado
esse pulo certeiro de gato do mato

domingo, 2 de dezembro de 2012

Quatrocentas e uma palavras sobre a escuridão.

Fotografia por Isa Valença

Piano. É um piano tocando incessantemente uma música tão calma que dá calafrios. As sombras dançam, deslizam, ao som do piano inquieto... A música, lenta e fúnebre, passeia por cada canto da escuridão. As luzes são pequenas, longínquas demais para serem realmente luzes. E tem aquele vento que te persegue, te domina. Mas não tem perigo, tem? Ser amante do noturno, digo. Caminhar pelas vibrações eloquentes das cordas de piano, abraçar o vento – seja ele frio ou quente –, visitar as luzes formadoras de sombras longas e disformes.

As ruas costumam ser úmidas e gélidas nessa época do ano, principalmente à noite. É quando não se fala. E mesmo o piano que toca é um silêncio incomum. Os passos são ocos como o som que fazem. Você sabe, não sabe? O som que fazem os passos durante a noite, na brita molhada. Oco, duro, pesado... Som de vazio. Vazio que te preenche por ser amante do noturno. E logo, dessa forma, você está preso no silêncio escuro que te cerca. E você se torna o silêncio escuro que te cerca. O peso é maior. A luz te mostra os prédios, os muros desenhados, as janelas fechadas... A luz é íntima e ínfima. Mas pelo menos você vê. Porque se só sentisse...

O sentir é perigoso. Se você sente, você é. E sentir somente seria tornar-se por completo aquele meio de vazios obscuros. Não que o sentimento nele seja ruim, é apenas torrencialmente envolvente. O caso é que se você vê, com a ajuda das luzes fracas, pequenas, longínquas... Se você vê, a perspectiva é outra. E você não está mais sozinho. Está com os prédios, os muros desenhados, as janelas fechadas... As árvores tortas, os mendigos que dormem, os sonhos que vivem. Pesadelos?... Um... Soar... Voraz... Do que... Existe. Ou inexiste.

Talvez o pior seja não ser a escuridão silenciosa de si próprio. Tornar-se puramente luz e sons é um terror diferenciado. A luz acalma e não te eleva, os sons confundem. Talvez a função da noite seja o pensamento longe. Quem sabe a função da escuridão seja a reflexão silenciosa de se temer mais que ser. E o que se vê na escuridão é mais que o vazio do sossego. O que se vê na escuridão é o interior de tudo aquilo que na luz se faz superficial. Porque pelas luzes pequenas, até as sombras são maiores que o normal.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Bom dia.

Fotografia por Pedro Santos


a hora de acordar
me consome mais
que a madrugada
escura dos meus
passos de noites
andarilhas pelos
sorrisos errantes
cativantes, tensos
e temidos daquele
monstro de pedra
feito na cidade
perdida do sonho
que foi o meu
ou seu
próprio desejo
de pequena palavra
doente inércia
que é essa
hora de acordar.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Rapto-me como camaleoa...


Fotografia por João Paulo e Paulo Ricardo (GemeosVB)

São as curvas,
as linhas,
as cores claras
e breves...

Deixe-se levar pelo vento de si mesma. Não há mais pesar, não há uma nuvem sequer no céu... Só o vento de si mesma. Ou, no caso, o vento de mim mesma. Eu mesma? Eu, mulher. Não sou mais tão breve por ser do sexo frágil (forte!), não tanto quanto meu próprio corpo que vem e vai e se refaz. Já me fiz pesadelo e sonho de uns e de outros, agora sou realidade própria. Tão real quanto a minha venda caída sob os ventos de mim mesma. E vejo em varal, suspendidas todas as vendas de todas as vadias vorazes que somos eu, você...

E a adaptação ao meu “ne me quitte pas” já é maior do que ele próprio. Pode ir, pode me deixar... Sou a liberdade das mudanças dos meus ventos dos meus leitos e meus peitos. Eu não me deixo sozinha, não se preocupe. Tenho as curvas, as linhas, as cores claras e breves que tiram a minha própria brevidade. Em meu caso ainda há vida, eu me reconheço como eu, não preciso de baratas. Lá se vai a terceira perna, para sempre... Pois enfim.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Apartamento.

Fotografia por Pedro Santos


Dia que passa,
luz que me arrasta,
e estou vivo
pra mais um cigarro.

Tempo que voa,
de terno à toa,
soltando a fumaça
e bebendo cachaça.

Não sei se choro,
não sei se coro,
só me amordaço
nesse mormaço.

Chega-me o grito
de louco frio,
o desenho a giz
como infeliz.

Mas eu sou gente,
doente que mente
Se não há dor,
me aquece o calor.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Su(L)blime.

Fotografia por Pedro Santos


Sabe quando você entra no espelho? Faço isso de vez em quando, da última vez foi quando visitei a Asa Sul. É que estou acostumado à Asa Norte e aquelas quadras todas invertidas dá-me uma náusea quase de traição. Mas não é algo ruim, não... Eu até gosto desse frio na barriga que as quadras da Asa de baixo desse avião me provocam. É um desejo desperto. Isso, desejo.

Pois cá estou eu, no meu caso de amor infindável com a Asa Norte. É um romance lindo, sem igual, fruto de uma amizade de infância. É puro, doce. Casei-me, feliz, com a Asa Norte. Mas eis que me faço homem e todo esse amadurecer me fez experimentar a sensualidade da Asa Sul. Na Asa Norte eu sou moleque apaixonado, na Asa Sul eu sou homem de anseios indelicados.

Cresci de amores na luz do dia das SQN e corrompi-me de encantos nas luzes da noite das SQS. A verdade é essa, puramente. Sou o amante insaciável da parte sul de minha cidade, louco por esses muros desenhados e essas luzes que parecem brilhar mais que as da Asa Norte. Não me julgue, não posso me controlar... A Asa Sul que me seduziu, eu só me deixei levar.

O outro lado do espelho contém um prazer descomunal. Minhas roupas já não existem quando estou lá, eu sou apenas homem. O homem puro cheio de veleidades... Voos noturnos vulgarizando-me no vórtice de volições. E quanta vontade contida! Como adoro o outro lado do espelho! Acho que é aonde eu existo com mais afinco... A solução agora é essa, sabe? Dias na Asa Norte e noites na Asa Sul.



que perdoem-me o ser
e o ver,
mas o querer das ruas
me deu as luzes
que deus me negou
na hora do parto.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

No Marabunta.

Fotografia por Pedro Santos


Membros de gangues em San Salvador têm lágrimas tatuadas embaixo dos olhos. Cada lágrima representa uma morte, seja de um amigo ou familiar do membro, seja de alguém que ele matou. A marca da dor ou do ódio. Eles tatuam o rosto para dizer de onde vêm e quem são, usam um tipo de roupa específico e andam de um modo reconhecível. São temidos. São respeitados. E o que isso tem a ver comigo? Nada.

Só gosto de pensar sobre os outros... Tenho dentro de mim essa falta de lógica, corrupta e suspeita. Ando e desando num apego à vida, mas os momentos de raridade suicida me pegam ainda. Não estou frustrada, não me sinto deslocada, não estou sequer triste. Só quero apagar a luz do quarto e dormir para sempre em um tempo breve. Largada aqui neste estacionamento, me deixei ponderar sobre muito do que perdi e do que ainda terei. Aproveitar? Como vou aproveitar sabendo que membros de gangues em San Salvador ainda tatuam lágrimas embaixo dos olhos?

C...a...m...i...n...h...a...r...? Pois vivo de caminhadas por esta cidade que pouco me ilumina. É caído, eu sei. Acho que meu querer liberdade saiu de moda, mas e daí? Vou cometer uma arte por aí, pintar a parede do estacionamento cheio de poças e... Eu sei lá. Estou sentada. Estou bem. Só deixa o dia chegar e vou pra casa, daí volto pra minha rotina sem pensar nas lágrimas dos membros da M-13. Sem pensar na minha raridade suicida. Porque, afinal de contas, eu sou mais do que feliz.

domingo, 18 de novembro de 2012

Blitzkrieg der Angst

Fotografia por Pedro Santos


Prazer, eu sou o Medo. Eu te persigo dia e noite. Pelas ruas, pelos corredores, de bicicleta e a pé... Entro no mesmo ônibus que você, decorei a placa do seu carro. Como é que você quase nunca me vê? Eu sei que sente minha presença, tem até calafrios, mas você quase nunca me vê... São raros os momentos em que me encara, apreensivo, falido de coragem. Talvez eu seja sempre meio obscuro, não é? Não posso manter essa afirmação como certeza, sabendo tenho o dúbio como a minha principal arma. Mas como que você quase nunca me vê? Acho que essa sempre foi uma das minhas maiores frustrações.

Olha pra mim... OLHA PRA MIM! Agora, me vê? Sim, eu sou o Medo. Não me acho feio como você me pinta. Passo o dia de terno, trabalhando. Todo mundo precisa de um pouco de mim, você sabe, né? Por isso trabalho sempre, toda hora. Mas não tem problema, eu gosto. Gosto de ver a carinha assustada de cada um, observar os passos temerosos que são dados pelas pessoas. Um. De. Cada. Vez. Eu estou por cima, meu caro, entende? Você entende agora o porquê de nunca se livrar de mim? Eu estou POR CIMA!

Não desvie seus olhos de merda! Não era o que você queria? Encarar-me de frente? Pois aqui estou, sou teu Medo, o Medo de todo mundo. De vez em quando tem essa coisinha chata de aparecer pra alguém como eu mesmo. HAHAHA Não, não... Não quero te derrotar, meu trabalho é só fazer você sentir. Ah, mesmo? Não sabe o que fazer? Ninguém encara o Medo de verdade, meu amigo, ninguém. Vocês, humanos, têm mania de quererem ser superiores a tudo e qualquer coisa. Quem manda em vocês somos nós! Não, não é um sonho. O que você quer fazer? Você quis me encarar, agora trabalhe na superação, estou esperando.

ISSO! Supere-me! Quero ver. Não vou nem lutar dessa vez, só minha presença já te apavora mesmo. Não? Suas mãos tremem, seu suor corre frio pela testa. Eu produzo isso. São as consequências de me ter tão perto. Estou tão perto que te sinto fraquejar, seus dentes estão batendo e não é frio... Esse ranger deles também não é raiva. Isso é o pavor. Eu não sabia, mas te possuo por inteiro, não é? Você é meu bonequinho. Minha marionete. Pernas trêmulas, hahaha. Mas que bobagem estar aqui, você mesmo já é uma prova viva de que eu sou insuperável.

Terminou? É isso? Não preciso de mãos, não preciso nem te ver. A porta está trancada, a chave está comigo, e você não vai pular a janela do quinto andar. Você é meu, até mesmo quando acha que tudo acabou, você é meu. Mas não chore, não é o fim do mundo! Aprenda a acolher-me como fez com a loucura. Que tal? HAHAHAHAHAHAHA, patético! Vocês humanos são todos patéticos! Diga-me quando você se acabar... Tenho toda a eternidade, sim, mas ela não pode ser gasta com você. É, o Medo te controla.


sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Reflexos Esfumaçados

Fotografia por Pedro Santos

O cigarro aceso, sendo tragado lentamente por essa pessoa sem perspectivas que sou eu. Inconstante ao olhar do próximo, sem sexo, sem nexo. Eu sou o nada e o tudo em mim. Encarar, em preto e branco, o lado de fora do quarto escuro que é meu próprio ser tem sido um desafio incomensurável. Um olhar lânguido, lambido... Um desejar sem escrúpulos de outro corpo que não o meu. E eu nele. Talvez se a falta de ingenuidade não me fosse tão séria, eu pudesse crescer em felicidade pura. A fumaça invade todos os meus alter-egos e minha pressão baixa consideravelmente.

É o fluxo de tudo, esse vai-e-vem no qual não me enquadro. Faço-me de Bowie, mas sou Jorge Ben Jor, e o terror de perder de vez minha linha que não se curva inquieta-me. Desanda-me totalmente. Solto a fumaça, e ela, perdida no ar que me sufoca, se desmancha por completo bem na frente dos meus olhos. Que engraçado esse paradoxo profano que é viver. Totalizo-me num nada acinzentado de poréns. A mediocridade que trilharam para mim não me seduz e eu, querendo algo menos que o nada, desisto de ser.

Fecho os olhos. Agora é isso... Vejo-me não sendo. As luzes da noite dizem-me que não sou. O abajur recusa-se a iluminar-me completamente e eu, sem sexo, sem nexo, transgrido as leis da física ao ter dois corpos ocupando o mesmo lugar. O meu e o que eu queria. Tenho a falta de alma como companheira agora e a tristeza isola-me de tudo o mais. Como era aquela frase? “Tu és eternamente responsável pelo que cativas”? Bem, algo parecido... E eu, feliz ou infelizmente, não cativei nada que me fizesse continuar a ser.

Como nada, regozijo em talento de sê-lo. No mais, acordo sem punhos na corriqueira vida de voltar a ser. Não sou o nada, nem o tudo, apenas – com sacrifício – sou. Perdoo-me, com mais um trago, por ter desistido de não ser mesmo ainda respirando e tendo o coração a bater. Seria tudo uma hipótese do tédio? Tédio que me fez subir à mesa e acender um cigarro lá mesmo. Culpar os outros seria uma temeridade até para mim, então culpo a minha falta de coragem. De qualquer forma, sei que meus pensamentos só fazem sentido para mim, então acho que é hora de calar-me.

Mas ainda há o cigarro aceso sendo tragado lentamente por essa pessoa sem perspectivas que volta a ser eu.


Reconheço,
testo a prosa poética,
perco o foco...
Que foco?

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Morfina Natural



Respiração ofegante:
- Medo?
- De ti.

Sorrisos de canto
dando lugar às bocas abertas...
- Prazer!
- Contigo...

O detalhe
do suor
- Amor...
- Por você.

Sussurros
substituídos por gritos?
Por afagos vocais...
- Eu...
- Também...

Expressão imprópria
de quem se faz
mais que em felicidade.
- Foi?
- Fomos.

Quem precisa
de seringa?

No hay dolor
cuando estoy
con usted.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Zahir


Dois olhos castanho-avermelhados distanciam-se num mundo de pessoas acinzentadas e sem o mínimo de poesia. Esse mesmo par de olhos agora me encara, desdenha-me e desama-me com perdidas olheiras de desalmados pesadelos. Reviram-se, os olhos, como se sua dona também o fizesse em seu interior de vinho tinto. Suavidade quase pura em caos.

Sim, caos. O caos dessa experimentação idealizada por ela mesma, dois anos atrás. E eu o sei por ambientalizá-la em meus maiores e mais profundos desejos de homem; e em meus desejos ela atua, nua e crua, seu próprio monólogo de equilibrista do nosso conjunto emocional. Porque ela é, ao mesmo tempo, a bêbada e a equilibrista. Seu olhar trôpego desmente sua inocência facial; e a menina-mulher com olhos de vinho tinto e cabeça de uísque detalha em si a nuance da vida. 

Sei que o silêncio que se faz é irreal, sendo algo criado pela minha mente inventiva; mas parece tão verdadeiro, como se o mundo se tivesse calado para ouví-la, atriz, em seu próprio silêncio de cinema mudo. Canto por lábios fechados, para não lhe atrapalhar, uma cantiga vermelha em homenagem ao castanho de seus olhos lapidados. Fui rejeitado com uma desvio de olhar e um sorriso debochado dirigido a outro que não eu. Minha atriz se desfez em acinzentada gente vestida de cotidiano, o burburinho de fim de tarde foi retomado.

Brilha, brilha
Estrelinha
Que minha dama
Se apagou.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Cantiga de Vernalagnia

O homem mais belo
Que me passou por essas ruas de inverno
Que desenhou com seus passos o carpelo
Mais lindo de todas as cores... Vivas...

Poesia portanto
Em risos largos de encanto
Com esse vasto olhar dançando
Lá se foi o pormenor das dores... Frias...

Foi só chegar perto de mim
Já desdenhei qualquer menor alecrim
Porque só com ele pude me fazer feliz
Simplicidade cantada em meio a flores...
Minhas...

Suas...
Nossas...
Dessa bela vida.


segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A meiguice das palavras e do amor.



Então começo a escrever e as letras vão juntando-se umas às outras. Não dá para perceber quando acontece... Simplesmente é assim. E quando me dou conta, já é tarde de mais, e já está tudo misturado, unido na confusão que é a minha mente, mas no esplendor que é a minha alma.

Não sei se escrevo para você ou para mim, sei que escrevo. Sei que gosto disso. Há algo nessa confusão de palavras cruzadas, transadas e sortidas que me leva ao fascínio. Eis que beijo a folha e choro. Lágrimas de satisfação, de amor. Lágrimas untadas às palavras num alívio de poder me expressar.

Talvez minha inspiração seja seu belo sorriso de senhor da graça. Talvez não exista esse negócio de inspiração. É, é isso mesmo. Inspiração é desculpa de quem não acha o que escrever. O que existe é o amor. Amor pelo que se faz. E vontade.

Sabe qual a minha vontade agora? Seus lábios, seus braços, seu pescoço, seu peito, seu sexo, suas mãos... Seu toque. Você. Minha vontade é sempre você. Meu amor é sempre você e esse seu amor. Minha vontade é a sua vontade por mim. Ah! Como é maravilhoso te ter comigo, meu bem...

Não deu para perceber quando aconteceu o meu amor por você... Simplesmente foi assim. Como escrever. E quando me dou conta, já enchi a página de palavras do mesmo modo que já te enchi de amor.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Como um dente-de-leão.



Vi hoje os pardais sobrevoando as flores coloridas que certa vez foram plantadas por nós. Visitei as lembranças mais claras, delicadas, desenhadas e emolduradas que tenho... Pintadas de rosa pastel. A declaração que tenho é de simples amor, mesmo que as flores plantadas sejam invenção minha. Invenção nossa, eu diria. Um casal de poetas tem muito disso, não é? Flores inventadas e lembranças pintadas de rosa pastel. Dói agora saber que sua pena está longe da minha tinta e nosso caderno guardado até nos reencontrarmos. Amor! AMOR! AMR... ar. Eu sinto falta de ar. A cada segundo que passa eu retomo seus olhares, seus sorrisos e seus beijos... Seus abraços. Mas não esvaneceremos como um dente-de-leão.

Ouvi hoje, um pouco antes das cinco da manhã, um grito desesperado de criança. Era um rapazinho perdido em uma rua escura e fria, longe de mim. Grito agudo de criança. Acordei procurando o despertador, achei que ainda ouvia o grito, mas não... Não era. Desdenhei minha pouca percepção e voltei a dormir para logo acordar novamente e notar: não o veria mais... Não agora, não tão cedo, nem dali oito horas. Não o vejo agora. Não o tenho contra meu peito, mesmo que em lágrimas. Dói. Ar! AR! AMR... amor. Eu sinto falta do seu amor pertinho de mim. Sussurrando em rosa pastel no meu ouvido sobre os pardais que sobrevoam as flores coloridas que havíamos plantado mais cedo! E a sua preocupação... De que os pardais virassem corvos.

Os nossos pardais nunca poderiam virar corvos.

Nunca.

Amor em dobro.



tenho um amor dobrado
jovial, pleno e encantado
de sorrisos cobiçados
em fotografias marcado

desenharam-me a paz d’alma
santa em cachoeiras de calma
em pés e mãos e palmas
com a pele pouco alva

é a morenice da família
gestos e cantos, tudo brilha
que derretem a gargantilha
soltando-me para a harmonia

tenho um amor dobrado
feito em dois corações acordados
nasceram juntos de carinho amontoado
na arte de espírito e malabares encontrados

vejo daqui
o bem-te-vi
e tatuados no que diz
Amy, Dalí


(Fotógrafos: João Paulo Vieira Borges e Paulo Ricardo Vieira Borges. Talentosos e meus musos para o poema AWN q)

sábado, 22 de setembro de 2012

Hora do remédio.


http://www.flickr.com/photos/lisagreve/

Fui abrigada pelo Senhor dos Sonhos esta noite, deve ter achado divertido me levar para passear em seus braços de Morfeu. O castelo em si era enorme, parecia refletir tudo o que eu penso, o que gosto e o que temo. Os olhos do Príncipe do Sono brilhavam para mim, como duas grandes estrelas a me encarar de perto... Queimavam-me a visão, a mente e o coração. O sorriso que me lançou foi apavorante, mesmo que belo. Comentou que sua irmã me esperava nos domínios dele próprio, eu não sei se a queria encontrar.

Caminhei pelo caminho de prata derretida – mal sei como o fiz – e acabei chegando a um balaústre solitário, sem função. Um balaústre negro, trabalhado como que pelo(a) Desejo. Os detalhes eram insensatos, mas perfeitamente delimitados. O limiar parecia ser o objetivo daquilo tudo. Inclusive daquele sonho, ou pseudo-sonho. O limite da insanidade se fazia confuso. O escuro se desfez ao redor do balaústre e encarei quatro imagens sorrindo-me. Virei-me e vi mais duas. O sorriso do Senhor dos Sonhos me encantava tremendamente. Foi-me explicado que faltava uma. E eu esperei.

Caminhava entre os irmãos em um vestido negro que cobria sua pele branca e macia com delicadeza. O corpo magro, braços finos... As perdas de meu sonho quase reluziam de tão claro. Agora tudo estava solidificado novamente, montado com peças claras de ouro. Ouro-branco. Na entrada de sua irmã, Morfeu tinha os braços cruzados, o cabelo espalhado pelo rosto, a pele tão branca quanto a dos outros seis irmãos. Observava-me cauteloso, escrevendo em meus sonhos o que haveria depois. Tremi. A seguir os lábios vermelhos do(a) Desejo encontraram os meus, mas foi tão rápido, não percebi quando surgiram, nem de onde. Sumiu como apareceu. Formaram um círculo ao meu redor, e agora o balaústre era eu mesmo. A Morte, cabelos compridos e negros como o seu vestido, tocou-me a face com a ponta dos dedos. Unhas pintadas de preto. Unhas compridas.

Meus olhos então se abrem. E estou aqui, na determinação real de tudo. – Hora do remédio!

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A boa culpa.


Comprometo-me pouco escrevendo
por isso o faço sem culpa e sem dó.
Fui lançada ao mundo pelos incorruptos,
mas não sei como sê-lo.

Desajuizada, já me descomprometo
com aquele que com outra
laçou-se há um tempo...
A culpa não é de todo minha,
nem em parte dele.
É que o desejo é cruel.

Desgraço-me nas suas graças
de rapaz de outra vida,
mas é boa a ousadia.
Tenho para mim ser a súplica
de um querer diferente
bem mais quente
que esse que não há temor.

Vim ouvindo seu jeito
de não ser comigo,
pra ser com a distinta...
Instiga-me a falta,
ou os volupiosos pensamentos
que me faz pensar.

Atenha-se aqui por um momento,
acende a paz pra gente,
que estou querendo um prazer
maior contigo.

Ai ai, é esperar?
Pois eu espero,
só mais uns momentos porém,
que minha vontade tem muita
muita muita pressa.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

E nela, a delicadeza.



Cheguei a pintar minhas unhas
da cor de seus cabelos...
Um laranja forte, delicioso.
Pintei minhas unhas
da cor de seus cabelos...
Para ver se então ela me notaria
como notou logo.
O laranja forte (delicioso)
em minhas unhas, acariciando sua pele branca,
pele branda.
Desenho leves linhas vermelhas
em suas costas de menina com mente de mulher.
E agora a menina sou eu,
apaixonada pela mulher
de cabelos de
um laranja forte - delicioso.
(Minha cor favorita.)

domingo, 16 de setembro de 2012

A pequena livraria.



Eles eram engraçadinhos, não andavam de mãos dadas, não ficavam se enchendo de beijos ao sentarem um do lado do outro, mas conversavam bastante e riam mais ainda. Andavam por Londres quase que brincando, a menina não parava de sorrir, maravilhada com a cidade. Era cinza, mas de uma beleza literária sem igual! O jovem a acompanhava, sem passos largos tendo em vista que era bem maior que ela. Dois amigos. Os mesmos dois amigos de três anos atrás.

Em dois passos chegaram a uma livraria pequenininha, daquelas que ela só havia visto em filmes. – Ah, não... Quer parar em OUTRA livraria? – Ele dizia revirando os olhos, mas logo depois a cutucou para dentro da lojinha. O local era aquecido, diferente das ruas chuvosas da capital inglesa. Havia uma escadinha para alcançar os livros em prateleiras mais altas, e a mocinha a escalou, empolgada com o que poderia achar. – Você tá com o dinheiro aí? Acho que faremos mais uma compra! – Comentou ao passar o dedo indicador por um livro específico. – Mas assim vamos gastar todo o dinheiro em seus livros! ... Ok, tá aqui. – Ele pegou um exemplar inglês de Nietzsche e passou a folhear, um tanto desinteressado apesar de gostar das ideias niilistas. – Veja, veja! – Ela disse, mostrando-lhe o livrinho, de bolso. – Não é maravilhoso? – Ela sorriu. A arte da capa era uma beleza mesmo, o título e o autor desconhecidos para ele. – Quem é esse? – Perguntou. – Ah, sei lá. Mas parece interessante... Gosto de coisas novas. – Ela subiu novamente a escada, uns três degraus, e o chamou para mais perto com o mesmo indicador que escolheu o livro desconhecido. Ele se aproximou, sorrindo. – Amizade é boa assim... – Ela riu e o beijou, e ele a retribuiu divertido. 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Estudo sobre a falta de sentido.



estou agora a testar a falta de pontuação e a falta de respeito deliciando-me aos pés dessa minha mente corrida que pensa uma coisa atrás da outra lembra da borboletinha azul que você viu certo dia acho que me perdi nos seus olhos cor-de-mel interessante interessante não usar nem mesmo uma virgulinha que seja pobrezinha isso parece tão incoerente a coesão então perdeu-se na primeira linha mas que seja estou libertando-me dos sinais de pontuação gostaria talvez terminar de um jeito abusivo mas não sei não sei conseguiu lembrar agora da borboletinha azul não é eu sei que sim aquela coisinha de asas frenéticas que pousou no seu dedo você saiu correndo para me mostrar mas eu me perdi nos seus olhos cor-de-mel lindos olhos cor-de-mel que você tem sabia disso é pois bem eu sinto falta deles como sinto falta das vírgulas e dos pontos e como sei que te agoniza ler isso tudo tão atropelado mas só precisava te falar do meu amor de um modo mais solto livrando-me daquilo que agora sinto falta estou falando da precaução pois sim venha cá que lhe mostro o sorriso mais doce só não tão doce quanto o seu ao ouvir meu eu te amo ah minha pequena menina acho que o papel está se contorcendo aqui de tanta tristeza pela falta de entendimento que minha caneta lhe rabisca venha deixe-me mostrar a todos como eu te amo E TE AMO E TE AMO acho que preciso colocar em caixa alta para gritar já que não tenho o ponto de exclamação mais é isso não tenho mais os pontos eles todos fugiram de mim nem meu frenesi para escrever-lhe uma carta nova e se falar coisa com coisa for o importante prefiro a insignificância do meu amor pois venha me ver desenhar letras uma atrás da outra sem pensar muito bem no que faço olha só que engraçado até meu quarto é mais organizado e você bem sabe a bagunça que há aqui só queria te falar o quanto sinto seu amor e mais MUITO MAIS o quanto eu sinto sua falta aqui ao meu lado perco-me nos teus olhos cor-de-mel novamente ah meu bem cadê seu corpo marcado ele me faz tanta falta eu sofro sem você devia saber devia entender não é uma vírgula que faz a diferença mas sim o parêntese que tem a forma do sorriso unilateral mas que coisa que coisarada boba porque se colocarmos os dois parênteses temos dois sorrisos e a unilateralidade acaba com a tristeza de não ter um só já percebeu isso não já cadê aquela teoria da unilateralidade amorosa bem bem ela existe você sabe mas essa sua pergunta é latente mas que coisa horrível de se pensar não há nem mesmo um parágrafo para demarcar não me entende eu sei

pronto marquei parágrafo e nesse falo do que falava no outro de certo então não há diferença quer um beijo agora não quer eu também quero socorro não me aguento nesse sufoco de palavras acho que eu deveria pontuá-lo qualquer dia desses mas não não isso é um estudo mental das minhas palavras cheias e vazias todas juntas misturadas com minha vontade de escrever percebeu que o ritmo se acelerou eu percebi facilmente porque meu sentimento cresceu e eu escrevo freneticamente tudo isso que vem agora todo o meu amor minha quantidade de desejo ah meu bem venha aqui deixe-me abraçar seu ser puro e carente que também estou precisando de seu amor meu bem não chora agora só por não me entender eu também entendo-me mal e sei como é ruim muito ruim mas dizem que entender a mente de uma mulher é complicadíssimo assim mesmo perdoe-me por sê-lo eu estou aqui suando as mãos para escrever mais e mais mas tenho que largar isso e tenho que ir-me e deixar tudo para lá porque o texto perdeu-se nele mesmo como eu me perdi em mim mas não te perdi nunca te perderia você é tudo sempre foi e nenhuma vírgula mudaria isso e que essa carta que virou estudo que demonstra meu amor seja pouco mas sinto ser o suficiente e sempre será e minha insanidade meu ritmo latente perigoso está aqui para contigo quero você e você me quer e somos tudo isso ao mesmo tempo untado de carinho e demência ah meu bem ah meu bem

o bom é saber que não importa muito como escrevo e que a falta de pontos te deixa livre para interpretar da maneira que quiser eu te amo é isso eu te amo demais engraçado o que a vida faz com a gente pois bem

pontue

...!?,;:"".  

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

anti-métrica


decassílabo por decassílabo

prefiro a trissilábica
amorosa

que não vivo de forma
e poesia não vive de métrica
desato-me desse nó sufocante
que chamam de beleza parnasiana

não trabalho com sonetos
tampouco com rimas ricas
ou mesmo preciosas


gosto de intercalar os versos
criando a perdição e a pureza
com uma palavra aqui
e seu antônimo ali

a beleza do meu eu
está não em mim
mas no sonhar do teu próprio

a poesia é feita
de poeta e de terceiros
os segundos
traçaram minha hora

que me perdoe Bilac
não lhe tiro o principado
porém é o que digo, é o que falo

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Ensaio sobre a leveza


Vim escrever com palavras soltas, porque os floreios encantam-me apenas em inspirações. Estive lendo pouco, bem pouco mesmo... Não por falta de tempo, mas por falta de vontade. Já sentiu-se pesado a ponto de não querer fazer nada mais que dormir e, quem sabe, escrever duas ou três frases num papel que logo será jogado fora a la parnasianismo? Pois que os textos sejam leves, que de pesada já basta eu!

Flores de laranjeira nunca me agradaram
Não senhor, isso é lenda
O que me agrada mesmo, Amarantes
É o seu sorriso molenga

Decaíram tenebrosamente! Poemas de brincadeira, traço vários... Já fiz uns dez versos para dizer que gosto de ser da rua, mas de um jeito tão descontraído que parece piada a qualquer um. Venha-me leveza, aquece-me que não aguento mais o pouco caso com minha poesia!

Decassílabo por decassílabo
Prefiro a trissilábica
De amores.

Isso, leveza, preencha-me! Que já não sorrio sem fazer o meu poema diário... O que me falta é apenas aquele pouquinho. Sabe, não sabe? O pouquinho da sutileza que não está me convindo agora. Qual era o tal passado obscuro que disse um dia: “falta-lhe paixão pela escrita”? Falta-lhe vergonha na cara! Aliás, levando em conta o ensaio sobre a leveza, cara não. Cara quem tem é bicho, já dizia papai. Falta-lhe vergonha na face de boneca, pois já é mulher quase formada.

O batonzinho rosado
No lábio do seu filho
Não eras tu
Que queria una hija?

Jogo-me cabisbaixa, portanto. Fazer poemas sobre personagens futuras ou passadas não me mantém! Sou mais, fui mais! Dizem que o certo é escrever bêbado e revisar sóbrio. O que não me falta é minha alma embebida em dolores! Ou mesmo colores... O belíssimo rojo, por exemplo, não me falta em nada. Estou embebida, bêbada em rojo! O que me desmerece é minha sobriedade corporal? Ora, pois...

Detalho-te em lápis
O sorriso borrado em grafite
Essa arte pela arte
Simplesmente inexiste...

Que eu continue a aprender na leveza da vida.