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segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Butzemann

Quando eu era criança miúda, tinha um monstro embaixo da minha cama. Eu tinha medo dele, muito mesmo, por isso dormia entre os meus pais - é que embaixo da cama deles não havia monstro algum. Eles, os meus pais, diziam que era bobagem e que monstros não existiam; mas se não existiam, por que que eu sentia tanto medo daquele que ficava embaixo da minha cama? 

- Mas você já viu esse monstro? - já me perguntaram.

Teve uma vez só que eu o vi. É que, nessa noite em questão, eu tive que dormir no meu quarto e ele saiu de baixo da minha cama e ficou me olhando da porta. Eu não consegui gritar, nem parar de olhar, só encarei de volta mesmo. Eu, com meus seis anos, fiquei encarando o monstro que estava na porta do meu quarto, e ele ficou lá parado a noite inteira. Ele nem tinha um corpo definido, não tinha um rosto, não tinha nada. Era só um vulto. Uma sombra que parecia de fumaça. Eu sei que ele estava me olhando porque eu não conseguia me mexer, acho que era algum poder que ele tinha de me deixar ali parada, com os olhos lacrimejando de medo. 

A gente se mudou daquela casa, e da seguinte, e da seguinte, e da seguinte… Eu fui crescendo, troquei de cama, aquela era muito pequena para mim. O monstro cresceu também. Ele saiu de vez de baixo da minha cama, acho que porque ele cansou, queria passear um pouco. Então ele me pegou emprestada para isso. Uma noite, lá pelos meus onze anos, enquanto eu dormia um sono desses profundos, o monstro vulto-sombra se fez fumaça e entrou pelas minhas narinas e boca. Eu sei porque acordei assustada e o peito doeu. Tossi duas vezes, mas nada saiu, só o choro. Eu chorei muito, porque o peito doía e eu não entendia a dor. 

Eu não gosto do monstro. E ainda tenho muito medo dele, porque eu sei que ele também não gosta de mim. Por estar aqui dentro, e por ter passado tanto tempo embaixo da minha cama, ele me conhece como ninguém, quase tanto quanto eu mesma. Tem dia que ele dorme o dia todo, eu tento não fazer barulho para não o acordar; tem dia que ele está agitado, e aí eu me canso por dois. Tem dia que ele resolve voltar para debaixo da minha cama, mas ele, por algum motivo, precisa que eu esteja perto, então me segura para eu não conseguir levantar. Tem dia que ele me conta histórias muito tristes e me faz chorar. Ah, e ele gosta muito de cavar.

De vez em quando, o monstro aparece no espelho - com a minha cara mesmo, com o meu corpo mesmo - e ri de mim. Teve um dia que ele me fez acreditar que todo mundo estava indo embora, que eu estava perdendo tudo aquilo que importava. Nesse dia eu tentei tirar o monstro de mim, porque ele estava cavando fundo no meu peito, com as garras mais afiadas do que nunca. O buraco estava ficando cada vez maior, e eu não sabia mais o que fazer. Pedi para ele parar, implorei para que parasse, mas o monstro nunca me ouviu - ele só para quando quer. Nesse dia ele não quis parar. Fiz parar à força. 

Ele só parou porque eu parei. Parei de pensar e sentir. Eu sumi por uns minutos. Mas depois eu voltei. E o monstro voltou. Enfraquecido, mas voltou. Só que ele se fortalece rápido, é estranho. Quando quer, ele fica bem forte. E volta a cavar. Eu consigo pedacinhos de mim para repor o que ele cava, mas demora um bocado. Esses pedacinhos vêm de várias formas, e eu gosto quando eu os consigo. E aí, às vezes, quase parece que o monstro não existe. 

Hoje o monstro está agitado, e está grande. O buraco também cresceu bastante. Eu tento, mas nem sempre consigo meus pedacinhos de mim, e, por enquanto, não acho que já consegui. Agora, que o monstro existe, eu sei que sim. E isso aqui é para ninguém nunca mais desacreditar do monstro que mora em mim.

sexta-feira, 8 de março de 2019

Suspiria

os passos compassados
          parnasianos persistentes
    orgulhosos em seu ofício
de dançar a dança dos homens

pisca-alerta para
         parar, andar devagar,
  esquecer de dançar
                      a dança dos homens

e que lhe jogassem flores no peito
          chorando-lhe sua morte
       de quem não cabe,
                      não serve.

é que já não lhe pertencem
  os passos
              os braços
                         as dores
  de dançar a dança
                           dos homens.

pode, agora, respirar
                   e suspirar
                e aproveitar
o novo bater de asas
       um novo rodopio aéreo
de quem dança
               a própria dança.

quarta-feira, 6 de março de 2019

mágoamiúde

Lembranças quase antigas,
novas demais para serem
                         nostálgicas.
A boca cheia, sorriso aberto,
os olhos de amêndoa quase
    inesquecíveis - mas só às vezes.

Aquele dia que você sorriu
e disse que ninguém nunca
            mais
ia me ferir porque
     você                        estava ali,
e
                                        depois...

Depois me levou até a alma,
quebrando meus cacos em estilhaços
irrecuperáveis de dor. Esmigalhou-me
por querer a
firmeza irredutível fera mansa equilibrada estabilidade
e m o tiva
          e m o cional.

E aí, então, enfim,
seus olhos
             de amêndoa
ficaram
         gravadoscravados,
me maltratando até
meu próximo


                                                                            fim.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

24.09.18

Banho-me em raios solares,
quero aquecer-me logo
e agora.
Sinto falta desse calor
diário, a pele quente
sob a luz desse astro maior.

É que eu sei
que quando voltares,
meu sol se vai e só
sentirei o frio, não,
gélido ar de tuas
palavras distantes.

Por isso, eu quero sol.
De sombra fria, já basta
teus braços com carinho
de mentira.