- Minhas unhas estão azuis. – Anita passa
alguns minutos encarando suas unhas. Compridas, feitas por ela mesma. Ela gosta
da cor que escolheu, vez ou outra até sorri. Anita encara o relógio. – Já é o
dia seguinte... – E ri alto. – Essa observação é chata, não é? – A risada
cessa, mas o sorriso continua. Limpo, brando.
- Acho que a senhorita andou lendo livros
demais... – Seu gato marrom mia isso debochado. Reviraria os olhos, se pudesse.
– Está agora parecendo Alice. Até os nomes são parecidos. – Ele sobe em seu
colo e lambe a pata dianteira. Anita imagina que talvez Rimbaud estivesse
certo, já ela estava a falar com gatos.
- Mas olhe, Rimbaud! – O gato a encara, como
quem espera. – Minhas unhas estão azuis! – Rimbaud desce de seu colo e sai do
quarto, demonstrando o mais profundo desinteresse. Anita se levanta e sente o
quarto todo menor. – Para mim isso era maior... – Ela comenta em voz alta,
inspecionando o cômodo com o olhar. Não demora muito para ela sentar novamente.
– Talvez um pouco de Tchaikovsky.
A música invade o ambiente e torna-o maior
novamente. Ela sorri, como sempre faz, deleitosa. As paredes piscam, ora rosa,
ora verde. De quando em quando exprimem um laranja forçado. Pega o papel que
parece endurecer em sua mão. – Rimbaud! Rimbaud!! Corra aqui, preciso de ajuda!
– O gato vem correndo, pulando, quase caçando. – Onde está a caneta? A caneta fugiu de mim, Rimbaud! – Lágrimas
aparecem, espantando o sorriso. Mas foram rápidas.
- Aqui, aqui está a caneta. – Rimbaud brinca
com uma BIC aos pés de Anita, que a pega secando o choro de quem não está mesmo
assustada. Escreve qualquer coisa no papel duro e mostra ao felino marrom, que
levanta a cabeça para dizer-lhe: - Isso já existe. – Ela coça o queixo,
interrogativa. – “If you want to sing out, sing out! And if you want to
be free, be free...”. – Canta Rimbaud, disfarçando o mau humor. – Você só
traduziu.
- Poxa vida! – Ela risca sua tradução idiota e
rabisca o desenho de um gato rabugento. – Olha, meu bem, é você. – Rimbaud
mente um sorriso e passa a lamber suas patas traseiras. Anita volta-se ao papel
duro e à caneta perdida para repetir frases de sonho. As paredes piscando.
Verde... Rosa... Laranja. E quem queria ser Anita, finalmente vira Júlia.
O gato a encara e ao invés de falar, solta um
miado. As paredes são brancas novamente. Tchaikovsky, quiçá, nunca tocara.
Júlia amassa o papel, acorda, encara as mãos e constata: - Minhas unhas estão
vermelhas.
A única metáfora da vida são as partes do viver, que "não existem". Seria mais próprio se assim fossem tratadas tais metáforas, a falta de sentido que não origina uma busca por esse não é criativa, é bobagem...
ResponderExcluirO fato d'ela estar drogada talvez mude algo na sua constatação.
ExcluirKkkkkkkkkkkkk. Vc me convenceu. XD
ExcluirImagens que não conseguem representar nada possivelmente reflexivo ou proposital não são o objetivo de um autor...
ResponderExcluir