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Albert Camus (07/11/1913 - 04/01/1960)
Querido
amigo,
Terminei a leitura d’O Estrangeiro, livro que
há tempos me recomendas. Pois sim, escrevo-te minhas impressões. Mas antes
disso quero lembrar-te que sou perdida em sentimentos; então, provavelmente,
mais de uma dessas impressões será também perdida em sentimentos errôneos. A
verdade é que mal sei por que as escrevo. Talvez porque preciso soltar esses
pensamentos desfigurados, que correm sem rumo em minha mente, após esta leitura
tão claustrofóbica.
Pois sim, acho que posso começar por isso:
claustrofobia. Que livro pragmático, não? Eu o senti sólido a todo o momento,
de fato Camus conseguiu engolir-me por completa. Arrepio-me com tamanha secura,
perdi-me em dor ao não sentí-la. Tu sabias o que me esperava, por que não
avisaste? É a surpresa da relação humana em palavras simples... Pois achei
claustrofóbico por retratar a verdade.
Retrata a verdade, não? A verdade de todo e
qualquer homem. Esta vida sem graça que levamos, contada por um homem sem graça
que somos. “Sem graça”, talvez. Entendes? Talvez o termo devesse vir entre
aspas, pois talvez nada disso seja sem graça realmente. O que me desacolhe,
porém, é que tudo está lá e o mundo é indiferente ao que deixa, finalmente, de
estar. Então é, de certa forma, sem graça sem aspas. Agoniante.
É, também, o livro é agoniante. E quantas vezes
eu mesma quis interferir da narrativa! A leitura prendeu-me, quem sabe,
exatamente por isso. Mas obviamente eu não teria o que tirar ou o que
colocar... Se me dessem espaço para mudar algo, eu encararia a obra, frustrada,
e a entregaria intacta. Fiquei perdida entre a agonia de sentir o nada e não
conseguir alterá-lo nem se pudesse. De qualquer forma, apaixonei-me...
Claro, livro apaixonante. Personagem
envolvente. Queria eu ser Marie, por alguns muitos instantes; e até vi-me como
ela ao sentir vários de meus “amantes” em Mersault. Talvez haja essa
identificação porque eu gosto do desafio da indiferença. Vês? O que te falei
sobre os sentimentos? Encara agora meu riso desgostoso, não gosto muito de ser
Marie. De qualquer forma, um clássico, como tu mesmo disseste.
Uma observação sobre a loucura abismática do
livro: não a encontrei na personagem principal, mas sim em todos os outros. Encarei-o
como com a razão ao encontrar-se num mundo em que “Abismo e Liberdade são faces
da mesma moeda” e acomodar-se com isso. Somos todos acomodados com esta
realidade. Acho, inclusive, que se não fossemos estaríamos fodidos. A loucura
abismática está em todos nós...
Concluo, portanto, dizendo que o livro
arrepiou-me bastante. Maravilhoso. Uma confusão contínua, rápida, simples e
envolvente. Não sou a melhor crítica, mas sei que meu sentimento para com O
Estrangeiro é essa mistura de amor & ódio, proveniente
d’auto-identificação.
Um beijo.
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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
L'Abîme.
Mourir.
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Tropical Toxic |
Preciso de um bicho besta que estranhe
as coisas comigo. Minto, não preciso... Apenas quero. Mas acho que acostumei
que meu querer é precisar.
É, é... Um bicho besta assim, que nem
você, não seria má ideia. Mas não se preocupe, não falo especificamente de você. Falo de qualquer bicho besta como
você, mas não você.
Um bicho besta, meio pirado; que diz que
quem ama, mata e morre. Eu mato e morro todo dia por um bicho besta como você.
Mas não, não você. Você já é bicho
besta de outro alguém que é tão besta quanto você, mas não é bobo como eu.
Gostei de escrever assim, em pequenas e
simples palavras de morte matada e morrida. Mas morte bonita. Morte de quem
pensa nesse bicho besta que fuma mais pra não que pra sim, e imagina que se
fosse um tempo atrás, seria um bicho besta tão besta que eu gostaria para mim.
Mas não é você que quero (preciso)... Só alguém como você.
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
Violeta Viscoso
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Imagem por Lais Pinheiro |
- Há quanto tempo ela está assim? – A voz
invade o quarto e ecoa, mesmo que baixa. A resposta vem em um tom triste, quase
inerte. – Dois anos, semana que vem completa três. – O vazio da sala era
latente, as duas presenças conhecidas não incomodavam a garota de forma alguma.
Havia a falta de brilho no olhar e a mente fechada em si. Os dois outros seres,
que não se encontravam dentro da alma perdida da garota, recolheram-se para o
outro cômodo, conversando sobre qualquer coisa desinteressante. Não havia o
presente, somente o passado desgostoso de lembranças perdidas na boneca de
porcelana.
“Quero um cigarro”. A mente trabalhava pura e
leve, como se já tivesse tragado o cigarro que pedia em silêncio. Enchia-se de
fogo e ardência dos anos que se foram e não voltam, os anos que seus desejos e
pensamentos foram mais envelhecidos que ela própria. Encarava o espelho sem
conclusões, sem jeito pra coisa. Mordia-se. Gritava-se muda. “Quero um cigarro”.
E juntava-se no encarar daquela imagem clara, quieta, sóbria. Uma criança...
Que deixara de ser criança há tempos. Fugira certa vez do estado triste que inventara
para si... Lera três livros e voltara a ser essa desconhecida de si mesma.
O mundo é injusto com boas almas; e quem se
perde na infância, perde-se para sempre. Ela concluiu sozinha aos quatorze.
Juntara os trapos de horizontal para, enfim, tornar-se um subir eterno de quem
nunca o fora. Loucura mesmo era despentear-se em meio a um vulcão imaginário,
por isso segurava a escova a todo momento, mesmo que a criatividade não
captasse tal inconsciência. – Quer um chá, meu amor? – Perguntara a mãe, que aparecera
na porta novamente. O silêncio voltou a perpetuar-se no quarto e na mente.
Pergunta ignorada, a mãe saiu, não achando que poderia ser diferente. Não era
amor de ninguém, não queria ser.
O caminhar eterno de pés descalços em meio a
fogo e pássaros carniceiros era ilusória, mas tão real... E, mesmo criança de
dezessete, queria o cigarro de quem tem cinquenta. Jogava-se em pequenas
brincadeiras cruéis consigo mesma, de quem mais fora o violeta viscoso. Apenas
ela. O sorriso pôs-se cru, pensou que talvez não lembrasse de algum abuso que
sofrera... Forçou a mente. Ainda não lembrava. Ela era assim por ser assim.
Ninguém a fizera, ela se fez. Descaminhou-se novamente entre o fogo, voltou a encarar
o espelho. Era toda violeta viscosa.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
Um diálogo sobre o próximo texto.
- Eu
cresci.
-
Cresceu?
-
Cresci.
- Foi
bom?
- Sabe
quando a fruta cai antes de amadurecer?
- Hm...
- Eu sou
a fruta caída no chão, verde, triste. Sou a péssima notícia dada aos pais. Eu
sou essa coisa grande, viscosa e violeta que é a inocência perdida.
- A
inocência perdida é violeta?
- É.
- Você
está aqui há quanto tempo?
- Dois
anos mais ou menos. Perdi as contas no quinto mês, na verdade, mas sei que se
passaram dois natais.
- Hm...
Semana que vem é natal.
- Então,
bem... Três anos quase.
- Quantos
anos você tem?
- Não tenho
idade. Mas quando entrei aqui eu tinha quatorze.
- Por
que entrou?
- Porque
sou violeta. Sou morta em meio a vivos olhos dourados de juventude. Sou presa
em meio a campos deleitosos de liberdade descomunal. Entrei porque não quis sair de mim.
- E
quando você vai sair?
-
Ninguém sai daqui.
- Só
essa semana saíram três...
-
Ninguém sai daqui. Podem sair do lugar, mas não saem do estado psicológico que
é isso aqui. Eu vou sair, mas ainda serei o violeta viscoso no qual qualquer um
penetra.
- Foi
abusada?
- Por
mim.
-
Quantos anos tinha?
- Cresci
sendo abusada por mim.
-
Cresceu?
-
Cresci.
- Foi
bom?
- Sabe
quando a fruta cai antes de amadurecer?
- Hm...
- Eu
tenho esse passado constante que me persegue de vez em quando, a gente repetiu
a conversa?
- Não.
- Eu
acho que perdi a minha inocência quando nasci.
- Culpa
do quê?
- Do mundo,
querido, do mundo...
-
Entendo. E ainda está perdida?
- Ainda
tenho mais idade do que aparento.
- Isso é
ruim?
- Quero
ter dez anos de novo. Mas dez anos de verdade... Não corrompidos dez anos.
- E o
que você quer ser?
- Quero
sair do fogo... E não ser violeta.
sábado, 8 de dezembro de 2012
De seu amado.
São Paulo, 03 de janeiro de 2004
Querido,
Mais uma vez, São Paulo não parou. Terceiro dia
do ano, e o centro está cheio. Sabe, eu acho que anda faltando amor por aqui,
sinto falta de você. Ontem deitei com um, anteontem com outro e hoje tenho uma
festa para ir e provavelmente deitarei com um diferente. Mas sinto sua falta,
São Paulo não é a mesma sem você. Eu ainda vejo carros, vejo pessoas, vejo a
fumaça saindo de cada canto... Mas não vejo você com todo o seu amor por mim e
pela cidade.
Queria que você pudesse voltar. Desencanto,
desando, desminto. Quero que você volte. Mas você não pode, né? É uma pena...
Já se foram dois anos e você não pode voltar. Não sei porque ainda perco tempo
escrevendo pra você, sentado aqui no centro. É... Você lembra daquela noite na
Augusta? Foi quando a gente se conheceu. Lembra de como foram boas as conversas
e as risadas? Eu lembro muito bem... Acho que fomos um pouco apressados. Dois
meses depois estávamos morando juntos.
Sinto falta do seu cabelo ondulado,
principalmente. Os cabelos negros e ondulados que vez em quando caíam nos seus
olhos e você tinha que puxar para trás. Ah... E seus olhos. Olhos castanhos tão profundos que me arrepiam só de
imaginar. A gente deitado no sofá, comendo pipoca e vendo seu filme favorito. “I can never decide whether
Paris is more beautiful by day or by night.” E eu não consigo decidir se São Paulo
sem você é mais vazia à noite ou de dia.
Teve uma noite que a gente brigou
feio... Você disse que eu era um babaca completo. Um desgraçado sem coração.
Um escroto. Foram as suas palavras. Eu poderia responder a altura, mas eu te
amava tanto... Amo... Amo tanto que eu só consegui chorar e pedir desculpas, te
abraçar. O erro nem foi meu. Naquela noite, São Paulo brilhou para nós. Foi um
amor de desculpas tão vivo que eu quis brigar mais vezes com você. Brigamos
muitas vezes... Eu sinto falta das brigas também. Menos da última... A última
briga não teve o amor brilhante de São Paulo.
Queria nunca te perder, queria voltar dois anos
atrás e te abraçar tão forte... Queria não ter brigado com você. Queria que
você não tivesse descido para fumar. Queria não ter ouvido as risadas altas e o
grito abafado. Queria não ter chegado para te ver caído, tão lindo e
apavorado... Aqueles idiotas gritando que o veado vai pro inferno, correndo
noite adentro. E eu chorando. Queria nunca ter chorado. Se ao menos eu pudesse
voltar dois anos atrás e ao invés de gritar perguntando “quem é esse Fábio,
ein? Quem é?” eu só te beijasse e deixasse pra lá...
A culpa foi minha, não foi? Me desculpa. Lembra
daquela noite na Augusta? Foi quando a gente se conheceu... ad infinitum.
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
Que haja calma.
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Fotografia por Isa Valença
E que o
leve
De leve
Me leve
Me trague
Me quebre
De leve
Me pegue
E que o
doce
Com doce
Me adoce
Me cospe
Me jogue
Com doce
Me toque
E que o
sujo
Tão sujo
Me suja
Me passa
Me lava
Tão sujo
Me caça
E que o
tudo
De tudo
Me entulha
Me busca
Me encruza
De tudo
E sossega
E que o
leve
De leve
Me leve
Me trague
Me quebre
De novo
Me pegue
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terça-feira, 4 de dezembro de 2012
Pulo do Gato
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Fotografia por João Paulo e Paulo Ricardo (GemeosVB) |
mia
miado cantado de gato
molhado
mesclado cheio de tato
fugido o
rato cansado do chato
bastardo
de faro é pulo em jato
achado
em buraco de mio miado
pedrado
cantado temido e cortado
esse
pulo certeiro de gato do mato
domingo, 2 de dezembro de 2012
Quatrocentas e uma palavras sobre a escuridão.
![]() |
Fotografia por Isa Valença
Piano. É um piano tocando incessantemente uma
música tão calma que dá calafrios. As sombras dançam, deslizam, ao som do piano
inquieto... A música, lenta e fúnebre, passeia por cada canto da escuridão. As
luzes são pequenas, longínquas demais para serem realmente luzes. E tem aquele vento que te persegue, te domina. Mas
não tem perigo, tem? Ser amante do noturno, digo. Caminhar pelas vibrações
eloquentes das cordas de piano, abraçar o vento – seja ele frio ou quente –,
visitar as luzes formadoras de sombras longas e disformes.
As ruas costumam ser úmidas e gélidas nessa
época do ano, principalmente à noite. É quando não se fala. E mesmo o piano que
toca é um silêncio incomum. Os passos são ocos como o som que fazem. Você sabe,
não sabe? O som que fazem os passos durante a noite, na brita molhada. Oco,
duro, pesado... Som de vazio. Vazio que te preenche por ser amante do noturno.
E logo, dessa forma, você está preso no silêncio escuro que te cerca. E você se
torna o silêncio escuro que te cerca. O peso é maior. A luz te mostra os
prédios, os muros desenhados, as janelas fechadas... A luz é íntima e ínfima.
Mas pelo menos você vê. Porque se só sentisse...
O sentir é perigoso. Se você sente, você é. E
sentir somente seria tornar-se por completo aquele meio de vazios obscuros. Não
que o sentimento nele seja ruim, é apenas torrencialmente envolvente. O caso é
que se você vê, com a ajuda das luzes fracas, pequenas, longínquas... Se você
vê, a perspectiva é outra. E você não está mais sozinho. Está com os prédios,
os muros desenhados, as janelas fechadas... As árvores tortas, os mendigos que
dormem, os sonhos que vivem. Pesadelos?... Um... Soar... Voraz... Do que...
Existe. Ou inexiste.
Talvez o pior seja não ser a escuridão
silenciosa de si próprio. Tornar-se puramente luz e sons é um terror
diferenciado. A luz acalma e não te eleva, os sons confundem. Talvez a função
da noite seja o pensamento longe. Quem sabe a função da escuridão seja a
reflexão silenciosa de se temer mais que ser. E o que se vê na escuridão é mais
que o vazio do sossego. O que se vê na escuridão é o interior de tudo aquilo
que na luz se faz superficial. Porque pelas luzes pequenas, até as sombras são
maiores que o normal.
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sábado, 1 de dezembro de 2012
Bom dia.
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Fotografia por Pedro Santos |
a hora
de acordar
me
consome mais
que a
madrugada
escura
dos meus
passos
de noites
andarilhas
pelos
sorrisos
errantes
cativantes,
tensos
e
temidos daquele
monstro
de pedra
feito na
cidade
perdida
do sonho
que foi
o meu
ou seu
próprio
desejo
de
pequena palavra
doente
inércia
que é
essa
hora de
acordar.
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