Hoje eu acendi um cigarro e vigiei a fumaça
(sumir). Lembrei-me de todos e quaisquer pormenores que o senhor deixava de me
contar... Era sempre um “deixa pra lá”, “nada não”. E como me arrependo de não
ter insistido! Talvez eu pudesse ouvir o segredo de uma vida inteira, se
tivesse paciência para dizer “conta logo”. Ah, se eu tivesse paciência! Para
tudo no senhor, digo. Eu poderia ter te aguentado mais do que aguentei. Mas o
senhor sabe como é difícil de te aguentar, não sabe? Bom, se antes havia
dúvidas, não há mais. O senhor é chato.
Mas hoje eu acendi um cigarro e não tenho mais
tanta raiva das coisas que o senhor dizia. É, porque não diz mais, apesar de
ainda ser o senhor. Agora fala pouco, cruza os braços e balança a cabeça, seja
pelo sim ou pelo não. Normalmente é pelo não. O senhor sempre me diz um não.
Por quê?
paraquedas
hoje não
abriu
Aí me deixei voar com a fumaça e sumi com ela.
É que o senhor sempre dizia “que sorte seria se o paraquedas não abrisse”. Hoje
que o senhor disse não – mais uma vez, por quê? –, doeu-me voar sem o senhor. Mas
não foi minha culpa! Eu te chamei, não chamei? Mas, mais uma vez, o senhor
disse não. Por que diz não? Aquela cabeça branca balançando negativamente...
Não, não, não. “Deixa pra lá.”. Eu deixei pra lá e o senhor perdeu o paraquedas
que não abriu.
caí sem
o
senhor
Que ficou sentado, fumando o seu cigarro. E o
meu, que hoje acendi, já está no final. Estou sumindo com a fumaça e o senhor
traga devagar todo o resto do seu, uns vinte anos atrás. Eu já não moro mais perto
do senhor, e a fumaça preta agora está em mim. Lembra quando o senhor parou?
Teimoso, demorou. Sua fumaça preta é minha agora. E o paraquedas, que não se
abriu para mim, abre-se para o senhor, que continua flutuando até pousar no
chão.
eu sumo
com a
fumaça
Eu subo sem nem mais ouvir falar do meu avô.